Musas da Paulicéia Desvairada: veja as fotos do espetáculo mítico no Teatro Itália e a crítica apurada de Carlos Primati sobre a protagonista Bárbara Hudson.
Bárbara Hudson conversa com seu público, fãs e convidados: um reencontro inesquecível. |
Carlos Primati
A noite
de terça-feira, 25 de setembro, o Teatro Itália, no centro de São Paulo,
presenciou um espetáculo único e irrepetível. Grande parte da plateia que lotou
praticamente todas as poltronas do histórico teatro pôde ver pela primeira vez
um autêntico show das travestis mais emblemáticas da noite paulistana. A
revista musical Musas da Pauliceia
Desvairada reuniu um elenco de artistas drag
veteranas, cada uma com sua trajetória deslumbrante, e que serão registradas no
documentário de Ney Inácio, espécie de resposta paulistana ao carioca Divinas Divas.
Eu sou
do cinema; meu conhecimento do mundo das travestisse limita a filmes como Rocky Horror Picture Show, Priscila a Rainha do Deserto e Para Wong Foo;
além das produções de sexo
explícito, que se aproximam mais de prostituição do que de empoderamento. E,
claro, a maravilhosa Divine, a ultrajante e despudorada travesti que estrelou
praticamente todos os filmes do diretor John Waters, o “Papa do Trash”.
O que
se viu no palco do Teatro Itália aquela noite foi uma volta ao passado e o
resgate do glamour e do charme
faz-de-conta que envolve o espetáculo de travestis. Algumas das artistas que
estavam ali beiravam os oitenta anos, e muitas delas aparentavam pelo menos vinte
anos a menos… Um fenômeno por si só: nomes quase míticos, como Miss Biá, Manon
e Georgia, a engraçadíssima Stefany di Bourbon, fazendo dublagens cômicas de
Yma Sumac e Whitney Houston; a lindíssima Kassandra Mágica com seus truques
multicoloridos, e a empresária Salete Campari, uma exótica mistura de Hebe
Camargo com Marilyn Monroe. Meu conhecimento limitado de travestis me remetia a
shows mais eróticos, o que se confirmou com Lysa Bombom, a mais jovem do elenco
e mais próxima das drag queens do reality show de RuPaul, e a mulata
sensualíssima Marcinha do Corintho. Mas eu não estava lá por nenhuma delas, e
sim por causa da maior de todas: Bárbara Hudson.
Conheci
Bárbara Hudson poucos anos depois de sua retirada dos palcos – mas não a conheci
assim, montada e preparada para os holofotes, e sim sob sua identidade civil:
um cavalheiro inteligentíssimo, de conhecimento enciclopédico sobre cultura,
música e, acima de tudo, cinema. O que nos aproximou foi um interesse em comum
que deve soar inusitado para quem não o/a conhece: filmes de terror. Clássicos
de preferência. Se forem estrelados pelas grandes divas, como Joan Crawford,
Bette Davis, Barbara Stanwyck, Shelley Winters ou Olivia DeHavilland, tanto
melhor. (O nom de guerre, para quem
não sabe, vem da estrela Barbara Stanwyck, e o sobrenome “Hudson” de O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, que
tem Jane e Blanche Hudson; respectivamente Bette Davis e Joan Crawford.)
Eu o
conheci há pelo menos dezoito anos. O amigo por trás de Bárbara Hudson, um
senhor de 66 anos, carismático e com um afiadíssimo senso de humor (e momentos
frequentes de prima donna), não
envelheceu nada nesse período todo. O encanto fala por si só…
Bárbara
Hudson pisou novamente no mesmo palco onde havia se despedido, quinze anos
antes. Vê-la surgindo sob os holofotes dava uma ideia de como foram os anos de
glória, décadas de carreira e aplausos. A gente sabe que nunca é a mesma coisa
– você tem que estar presente para entender plenamente o fenômeno – mas foi
impressionante em todos os sentidos, uma emoção que emanava da própria Bárbara
e contagiava todos os presentes.
Ela fez três entradas, na primeira delas hablando español con el público, por
conta da canção que interpretou, “La Malagueña”, um tributo ao México, um dos
inúmeros países onde se apresentou ao longo da carreira. Os figurinos
encomendados para o glorioso retorno eram um espetáculo à parte, ricos em
detalhes que somente uma análise mais cuidadosa seria capaz de revelar. Algo
que somente uma artista dessa envergadura daria tanta importância, e que fica
registrado somente aos mais atentos.
A
segunda entrada de Bárbara Hudson foi a mais emocionante, pela carga de emoção
e devoção, quando interpretou “A Nave dos Arrependidos”, dublando (e cantando)
Ângela Maria, sua grande musa inspiradora e amiga pessoal. A homenagem ganhou
traços melancólicos três dias depois do espetáculo, com a morte de Ângela,
encerrando mais um capítulo do cada vez mais apagado cenário artístico
brasileiro, que perde ídolos que jamais serão substituídos.
Diferente
de muitas estrelas do transformismo, Bárbara Hudson não se contenta em apenas
dublar, deixando o microfone aberto – microfone, aliás, que é um importante aliado
de seus números, não apenas cantando, mas com o pequeno gesto de jogá-lo ao ar
para trocar de mão, arrancando aplausos espontâneos, ou quando o empunha para
fazer breves discursos, agradecimentos, apresentações, contar piadas
politicamente incorretas… Bárbara Hudson tem por trás da roupa e da maquiagem
um autêntico showman, com imensa
capacidade de improviso e uma mente tão afiada quanto a língua. Sua terceira
entrada, encerrando aquela noite histórica no final de setembro, declamando o monólogo
“Ser Vedete”, de sua autoria.
Antes disso, muito comunicativa, desceu do palco
pela escadinha frontal, aproximando-se do público, e demonstrou um carisma
incomparável e uma capacidade de cativar o público que poucos – epoucas – têm.
E todos puderam constatar que só existe e só existirá uma Bárbara Hudson, um
talento e uma força da natureza que pode ser resumida em seu rugido selvagem no
final do espetáculo – a força, a feminilidade, a ferocidade felina que ecoou no
Teatro Itália e coroou uma carreira vitoriosa que jamais será esquecida.
Sorte
daqueles privilegiados que testemunharam in
loco esse momento especial.
Álbum de fotos e comentários:
Bárbara faz um tributo a inesquecível Angela Maria com um grande sucesso, A Nave dos Arrependidos. |
RENATO BELLAMIN, RENATO PAPA, MARITTA CURY, RENATO SCARPIN, BARBARA HUDSON, GLAURA LACERDA, SEBASTIÃO APOLONIO, CASTOR GUERRA E VICTOR WAGNER. Amigos de uma vida. |
Todo charme de décadas de uma carreira internacional, em "La malagueña" |
OVADIA QUERIDO, OBRIGADO POR TUDO ISSO.
ResponderExcluirME SINTO HONRADA E EMOCIONADA COM TODAS ESSES ELOGIOS E MANIFESTAÇÕES DE CARINHO E RESPEITO COM A MINHA PESSOA. APESAR DE TODA ESSA REVERENCIA E RESPEITO DO PÚBLICO, ESSE FOI DEFINITIVAMENTE O MEU 'CANTO DE CISNE' EM MATÉRIA DE SHOW.
ABRIREI UMA HONROSA EXCEÇÃO QUANDO FOR A ESTRÉIA DO DOCUMENTÁRIO EM MARÇO DO ANO QUE VEM, NO CINE OLIDO, ONDE ESTAREI PRESENTE NA PLATÉIA JUNTO COM MINHAS COLEGAS PARA VER O MESMO, E DEPOIS SUBIREMOS AO PALCO PARA ENTREVISTAS E CUMPRIMENTOS FINAIS, MAS NADA DE SHOW, COMO JÁ DISSE.
AGORA A PRIORIDADE É ESCREVER MINHA BIOGRAFIA JUNTAMENTE COM O GRANDE ESCRITOR CARLOS PRIMATTI, CUJO TÍTULO SERÁ - UMA VIDA BARBARA... UMA HISTÓRIA BARBARA... ELA FOI BARBARA HUDSON.
BEIJOS AGRADECIDOS DE LA TIGREZA, BARBARA HUDSON.